O Brasil está queimando livros!

INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM

43 livros de autores consagrados estão em uma lista para serem recolhidos das escolas por conterem “conteúdos inadequados” para crianças e adolescentes, segundo a Secretaria de Educação de Rondônia e o governo bolsonarista que está no poder no Brasil. Não estou surpresa com o fato, era de se esperar, inclusive alertei aqui sobre isso antes do período eleitoral consolidar a distopia que estamos vivendo. Estava na cara que a inspiração para o plano de governo flertava com a caça às bruxas, nazismo e o macarthismo – épocas sombrias da história. Perseguir a cultura, arte, livros e professores é apenas a teoria aplicada.
Eu poderia trazer aqui uma lista com uma série de distopias que descrevem perfeitamente o que estamos vivendo, mas creio que seja melhor explicar o que se passou em certos períodos e como eliminar livros nunca foi uma solução inteligente. A História serve de alerta para que erros crassos do passado não se repitam, todos deveríamos nos preocupar em compreendê-la.
Em 1933, mais precisamente no dia 10 de maio, aconteceu o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais, principalmente aos escritores. Em toda a Alemanha, principalmente nas cidades universitárias, montanhas de livros se acumulavam nas praças. Hitler e seus comparsas pretendiam fazer uma “limpeza” da literatura. Tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista foi destruído. Centenas de milhares de livros foram queimados no auge de uma campanha iniciada pelo diretório nacional de estudantes que seguiam Joseph Goebbels (aquele mesmo que Roberto Alvim, o secretário da Cultura do Bolsonaro, parafraseou esses dias).
Um dos meus livros favoritos da vida é O Mágico de Oz, especialmente a edição comentada por Gustavo HB Franco, onde ele diz no prefácio: “Em 1950, durante a época de maior influência do senador McCarthy e seu famigerado e persecutório Comitê de Atividades Antiamericanas, até mesmo a lenda de Robin Hood era vista como panfleto marxista. Nesse difícil e singular conjunto de circunstâncias, algumas passagens sobre o cotidiano do reino de Oz – as mesmas que alguns críticos eruditos haviam assinalado como definidoras de uma “utopia americana” – ensejaram a frágil suspeita de que Oz poderia ser um estado socialista. Foi a época em que diversas bibliotecas públicas determinaram o banimento do livro O Mágico de Oz, como na Flórida, onde em 1959 as bibliotecas do estado receberam uma lista de livros para não circular por serem “mal escritos, insinceros com a vida, sensacionalistas, totalmente sentimentais e consequentemente indigestos para as crianças de nosso país”. O Mágico de Oz estava no topo da lista.”
No atual memorando do governo brasileiro que está circulando, há a observação que determina que “todos os livros de Rubem Alves devem ser recolhidos.”, tudo isso devido a secretaria alegar que “haviam livros paradidáticos com conteúdos inapropriados” nas bibliotecas. Mas o que Rubem Alves pregava que pode ser tão ofensivo para o governo? De forma simplista: A liberdade no ensino, a proposta que a teologia seja utilizada para a humanização do ser humano ligada ao fato das pessoas saberem aproveitar a vida com prazer e alegria, e que as crianças deviam dizer o que queriam aprender. Foi ele também pioneiro na inclusão de prova de redação no vestibular e ideólogo da Teologia da Libertação (advindo de sua tese de doutorado, a publicação desse livro só foi liberada no Brasil em 1987, com o fim do regime militar), publicou 160 obras em 12 países ao longo de seus 80 anos. Um grande intelectual, amigo de Paulo Freire.
Como Ray Bradbury falou em seu livro, Fahrenheit 451: “Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos. Cada minoria, seja ela batista, unitarista; irlandesa, italiana, octogenária, zen-budista; sionista, adventista-do-sétimo-dia; feminista, republicana; homossexual, do evangelho-quadrangular acha que tem a vontade, o direito e o dever de esparramar querosene e acender o pavio. Cada editor estúpido que se considera fonte de toda literatura insossa, como um mingau sem gosto, lustra sua guilhotina e mira na nuca de qualquer autor que ouse falar mais alto que um sussurro ou escrever mais que uma rima de jardim-de-infância.”
“Pois este é um mundo louco e ficará mais louco, se permitirmos que as minorias – sejam elas de anões ou gigantes, adeptos de ogivas nucleares ou de conversações aquáticas, pró-computarologistas ou neo-ludditas, débeis mentais ou sábios – interfiram na estética. O mundo real é o terreno em que todo e qualquer grupo formula ou revoga leis como num grande jogo. Mas a ponta do nariz do meu livro ou dos meus contos ou poemas é onde seus direitos terminam e meus imperativos territoriais começam, mandam e comandam. Se os mórmons não gostam das minhas peças, eles que escrevam as deles. Se os irlandeses detestam meus contos passados em Dublin, eles que aluguem máquinas de escrever. Se os professores e os editores das escolas elementares acharem que minhas frases trava-línguas partirão seus dentes-de-leite, eles que comam o bolo rançoso embebido em chá fraco de sua própria produção apóstata. Se os intelectuais chicanos desejarem cortar novamente meu ‘maravilhoso terno sorvete’ para que tenha o feitio de um terno popular (‘zoo’), é possível que o cinto se solte e as calças caiam.”
“Não há neles (nos livros) nada de mágico. A magia está apenas no que os livros dizem, no modo como confeccionavam um traje para nós, a partir de retalhos do universo. […] A primeira: você sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar pelo microscópio. Você encontraria vida sob a lâmpada, emanando em profusão infinita. […] Entende agora porque os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. Estamos vivendo num tempo em que as flores tentam viver de flores, e não com a boa chuva e o húmus preto.”
Que essa cópia mequetrefe de Goebbels e McCarthy seja exorcizada da política brasileira; e não os livros, os intelectuais ou a liberdade.
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